BOLETIM | Dos Créditos de PIS/COFINS Decorrentes das Despesas com Adequação à LGPD e o posicionamento do Judiciário

A sistemática do regime da não – cumulatividade foi inserida em nosso ordenamento jurídico com a publicação das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, que indicaram em seus respectivos artigos 3º a lista enumerativa dos gastos que dariam direito a crédito para fins de apuração da base de cálculo de ambas as contribuições.

Assim, segundo o regime de apuração não cumulativa das contribuições ao Programa de Integração Social (“PIS”) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), os contribuintes ficaram autorizados a descontar da base de cálculo das referidas contribuições créditos calculados em relação a bens de revenda, insumos, energia elétrica,  aluguéis, despesas financeiras,  ativo  imobilizado, edificações e devoluções de bens, entre outros.

Nesse sentido, no artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 há as hipóteses que possibilitam a apuração de créditos de PIS e da COFINS pela pessoa jurídica e, à luz desses dispositivos legais, infere-se que qualquer bem ou serviço ali constante e aplicado ou consumido na fabricação de produtos ou na prestação de serviços dá ensejo ao creditamento para fins de apuração da base de cálculo do PIS e da COFINS.

No que se refere às despesas desconsideradas como insumo (art. 3º, inciso II), é importante destacar que, de acordo com o regime da não cumulatividade, darão direito a crédito do PIS e da COFINS as despesas com bens e serviços utilizados como insumo na prestação de serviços e na produção e fabricação de bens ou produtos destinados à venda, seja a pessoa jurídica comercial, industrial ou prestadora de serviços.

Como se pode verificar, portanto, diante das dúvidas acerca do conceito de insumo para fins da apuração de créditos do PIS e da COFINS, a jurisprudência administrativa vinha se firmando no sentido de que, dada a sistemática da não cumulatividade  dessas  contribuições,  tal  conceito  não  deveria  ser  entendido  de  forma tão restritiva como pretendido pelas Instruções Normativas (“IN’s”), devendo abranger, senão todas as despesas necessárias da pessoa jurídica, ao menos, os custos essenciais (essencialidade) e inerentes relacionados diretamente ao processo produtivo.

Vale ressaltar que o nosso sócio da área tributária, Allan Fallet, teve seu artigo sobre os Aspectos Controvertidos Quanto ao Conceito de Insumo para Fins de Creditamento da Atividade Comercial, selecionado pelo STF como título relevante para o julgamento do referido Tema nº 756.  (Arquivo PDF).

Com a chegada do tema às instâncias judiciais, o debate sobre o conceito de insumos para fins de creditamento do PIS e da COFINS foi alçado ao Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) e, em 22.02.2018, a 1ª Seção dessa Corte Superior julgou o Recurso Especial (“REsp”) n. 1.221.170/PR sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 779), no qual os seus eminentes ministros definiram os bens ou serviços essenciais ou relevantes.

Embora as restrições impostas pelas Instruções Normativas da  Receita Federal do Brasil (“RFB”) tenham sido consideradas ilegais pelos eminentes ministros do STJ, a decisão acabou por reconhecer outras “restrições” para que um determinado item se enquadre no conceito de insumo para fins de creditamento do PIS e da COFINS, quais sejam: I. necessidade de os insumos serem bens ou serviços; II. necessidade de que esses bens ou serviços caracterizarem-se como elementos estruturais e inseparáveis do processo produtivo ou da execução do serviço (essencialidade) ou, ao menos, de que haja prova de que a sua falta subtrai a qualidade, quantidade e/ou suficiência dos produtos ou serviços comercializados (Teste de Subtração); III. necessidade de averiguação da finalidade dos bens ou serviços que, embora não sejam indispensáveis à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integrem o processo produtivo (seja por conta de peculiaridades da cadeia produtiva ou por força legal); e IV. necessidade de que a atividade empresarial do contribuinte tenha ao menos uma etapa que envolva um processo produtivo ou a prestação de serviço.

Em 20 de dezembro de  2022, foi publicada a IN RFB nº 2.121/2022, a qual consolidou as normas sobre a apuração, cobrança, fiscalização, arrecadação e administração das contribuições ao PIS e da COFINS, do PIS-Importação e da COFINS – Importação, e apresentou algumas atualizações, dentre as quais destacamos a ampliação do rol de insumos, como por exemplo os bens ou os serviços especificamente exigidos por norma legal ou infralegal para viabilizar as atividades de produção de bens ou de prestação de serviços por parte da mão de obra empregada nessas atividades.

Vale esclarecer que com o avanço da tecnologia, os gastos com a implementação das medidas necessárias para cumprimento da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD” – Lei nº 13.709/2018 e Marco Civil da Internet – Lei nº 12.965/2014), incluída pela Emenda Constitucional nº 115/22 entre os direitos e garantias fundamentais, e sendo uma imposição legal, vem sendo objeto de disputa pelos contribuintes no âmbito judicial:

I. Tribunal Regional Federal da 2ª Região (“TRF2”): decisão favorável por se tratar de investimento obrigatório, imprescindível ao alcance dos objetivos sociais da empresa e medida de segurança necessária à proteção dos dados dos seus clientes e de terceiros, inclusive passível de sanção pelo descumprimento da normatividade imposta (Caso Zoop – Mandado de Segurança – “MS” nº 5112573-86.2021.4.02.5101/RJ);

II. Justiça Federal (“JF”) de Campo Grande/MS: decisão favorável por entender que são investimentos obrigatórios, inclusive sob pena de aplicação de sanções ao infrator da LGPD, na medida em que o tratamento dos dados pessoais não ficaria a critério do comerciante, devendo então os custos respectivos serem reputados como necessários, imprescindíveis ao alcance dos objetivos comerciais (Caso TNG Comércio/TB Indústria – MS nº 5003440-04.2021.4.03.6000);

III. Tribunal Regional Federal da 3ª Região (“TRF3”): decisão desfavorável por entender que a LGPD não imporia a empresa a assunção de despesas, limitando-se a estabelecer normas gerais sobre o tratamento de dados pessoais e que pelo ramo de atividade (indústria e comércio de artigos de vestuário acessório) tais despesas se constituiriam apenas como custo operacional da empresa (Casos TNG Comércio/TB Indústria – MS nº 5003440-04.2021.4.03.6000 e ANEOR – MS nº º 5020147-38.2021.4.03.6100 ); e

IV. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (“TRF4”): decisão desfavorável por entender que as despesas elencadas pela empresa não se amoldariam ao conceito de insumo relevante, porquanto não seriam elementos essenciais ou relevantes para o desenvolvimento da atividade produtiva da empresa, caracterizando-se como meros custos operacionais (Caso CARRIER – MS nº 5025013-45.2021.4.04.7108).

A importância dessa temática pode ser observada pelo Projeto de Lei nº 04/2022 em trâmite no Senado Federal, que altera a legislação para permitir o desconto de créditos relativos a valores despendidos com investimentos em atividades de adequação e operacionalização da LGPD, da base de cálculo das referidas contribuições.

Nesse sentido, desse novo conceito de insumos, é importante destacar que a análise do que venha a ser bem ou serviço creditável, da ótica do PIS e da COFINS, deverá levar em consideração, necessariamente, uma fundamentada descrição desses itens em defesas administrativas ou judiciais, a depender do caso, sendo pertinente, ainda, a apresentação de um acervo probatório condizente com as alegações de essencialidade ou relevância dos pretensos insumos. Em suma, a discussão ganhou contornos mais fático – probatórios do que propriamente de direito material, decorrente da simples análise do texto legal.

Nesse contexto, recomendamos considerar os efeitos das decisões proferidas pelo STJ quando do julgamento do REsp n. 1.221.170/PR e TRF2, para a possibilidade de êxito em demanda judicial que vise afastar as restrições de crédito impostas pelas Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 aos gastos com a implementação das medidas necessárias para cumprimento da LGPD, bem como do pedido de restituição dos valores recolhidos a título dessas contribuições em função do não reconhecimento do direito ao crédito, nos últimos cinco anos que antecederam ao ajuizamento da ação (corrigidos monetariamente).

Para quaisquer esclarecimentos, por favor, entrem em contato com Allan Fallet (allanfallet@maugermuniz.com) por e-mail ou pelo telefone (11) 3755-0808.